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Carros a Etanol e Flex

Carros flex usam motores a gasolina que suportam o etanol sem aproveitar suas características que ensejam maior eficiência energética.

Tanto a gasolina quanto o etanol hidratado (EH) podem ser usados em motores tipo “Otto”, em que a combustão da mistura de ar e combustível é provocada por uma centelha elétrica. Seu desempenho depende das propriedades físico-químicas de cada combustível, que são diferentes.

A gasolina é uma mistura de centenas de componentes do petróleo, na maioria hidrocarbonetos com cinco a doze átomos de carbono. Sua composição é especificada visando o desempenho do motor e atendimento das normas de emissões. A gasolina contém ainda aditivos como o que evita que um dos componentes detone antes da centelha.

O etanol distribuído no Brasil é o etanol hidratado, composto de 95% do etanol (C4H6O) e cerca de 5% de água (H2O).

A diferença mais conhecida entre os dois combustíveis se refere ao poder calorífico do etanol que é cerca 30% de menor que o da gasolina (ou seja, contém menos energia por litro que a gasolina). Outras propriedades do EH, no entanto, compensam essa desvantagem desde que usado em motor adequado. Dentre elas:

Mais Homogêneo: a detonação, ao envolver apenas um tipo de molécula, é mais uniforme, completa e previsível que a gasolina, o que facilita otimizar o projeto da câmara de combustão.

Maior Octanagem: a octanagem do EH é maior do que a da gasolina, ou seja, suporta maior compressão sem detonar.

Melhor razão estequiométrica (proporção entre a massa de ar e de combustível necessária para uma combustão completa da mistura ar + combustível): quanto menor a proporção, maior pode ser a potência, o que permite construir motores menores e mais leves. Neste aspecto, o EH tem grande vantagem sobre a gasolina. Para o iso-octano (C8H18), que representa uma média dos compostos da gasolina, são necessários 15 kg de ar para 1 kg de combustível: A/C = 15. No etanol (C2H2OH), A/C = 8,95.

Mais calor latente de evaporação: quando o combustível é introduzido na câmara de combustão, evapora e “rouba” calor do ambiente, reduzindo sua temperatura. Quanto mais frio, maior o volume de mistura ar + combustível que pode ser admitida e, portanto, maior a potência. O melhor rendimento térmico representa, também, maior eficiência energética. O calor de vaporização do EH é cerca do dobro do da gasolina.

Maior velocidade de propagação da chama: uma vez produzida a centelha, a velocidade com que se propaga a combustão da mistura é mais rápida com EH do que com gasolina, o que aumenta o rendimento e a eficiência do motor Otto.

Presença de água: a presença da água no EH, embora reduza a densidade energética do combustível, aumenta a potência do motor e sua eficiência pois aumenta o calor latente de evaporação.

Carros a etanol, portanto, podem ter um desempenho muito melhor do que similares a gasolina. Em 1985, quando 90% dos carros novos vendidos eram a etanol, eles eram 15% mais eficientes do que os carros a gasolina (comparados em MJ/km).

O desenvolvimento dos carros a etanol no Brasil parou quando o preço do petróleo diminuiu em fins dos anos 80. Quando voltou a crescer no fim do século o etanol ficou muito competitivo, mas as montadoras venderam poucos carros a etanol. Pressionadas pelo mercado, em 2003 lançaram os carros “flex”. Embora tivesse um desempenho bem menor quando usava etanol, seu baixo preço compensava usa-lo etanol no lugar da gasolina. Os flex assim aparentemente resolviam a curto prazo o problema do consumidor e criaram um novo e importante mercado. Os produtores de etanol que viram explodir a demanda, saudaram a novidade que tirava o setor de cana de uma crise séria sem perceber que em longo prazo estariam dando um tiro no pé ao aumentar uma frota que reduz a competitividade do etanol vis-à-vis a gasolina.

A tecnologia flex nasceu nos EUA no início dos anos 90, respondendo a uma preocupação ambiental, para estimular o uso de combustíveis renováveis. As montadoras foram incentivadas a produzir carros que, além da gasolina, pudessem usar etanol quase puro (E85, uma mistura de etanol com 15% de gasolina). Eram beneficiadas com um incentivo fiscal que compensava a diferença de custo para produzir o flex e podiam compensar, também, a venda de modelos de carros mais poluentes. Vale notar que na época o E85, hoje disponível em 5% dos postos dos EUA, não era vendido nos postos de abastecimento.

Como a gasolina é uma mistura de centenas de produtos cuja composição muda de país para país, os motores especificados para um mercado global são, na prática, multicombustíveis e usam controles eletrônicos da ignição e injeção para ajustar o motor ao combustível, procurando não alterar suas características físicas. Os carros flex atuais, portanto, usam motores a gasolina que também funcionam com o etanol (em alguns modelos inclusive com eficiência maior doe a gasolina), mas que estão longe de apresentarem a eficiência que seria possível com um motor a etanol equivalente. A invariabilidade das características físicas é compensada pelo software de controle do motor.

Um carro acionado por um motor da RICARDO Motors nos EUA otimizado para etanol, com um litro de etanol fez o mesmo percurso que um carro a gasolina semelhante! O motor é também bem mais compacto do que o motor a gasolina equivalente.

Considerando que uns 5 milhões de motoristas usam exclusivamente o etanol, é possível que algumas montadoras, em busca de novos mercados, descubram esse nicho para vender carros que o carro a etanol, cuja fabricação felizmente não foi proibida.

Hoje nos EUA circulam 10 milhões de flex embora a rede de postos com E85 seja pequena e concentrada nos estados produtores de etanol. Mais de 60% de proprietários de flex desconhecem que o carro pode ser abastecido com etanol.