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Etanol: Crise e Oportunidades

O etanol é o mais efetivo e competitivo combustível na substituição de parte da gasolina.

O país vive hoje um momento de crise de valores e de gestão. Exige uma postura aberta e criatividade para superar dificuldades e incertezas nos planos econômico e político, com notáveis repercussões na área energética.

  As rápidas mudanças na configuração do espaço econômico nacional e internacional impõem cuidadosas avaliações. Reforçar os fundamentos e atentar para as oportunidades que se apresentam habitualmente nas crises parece ser a conduta mais promissora.

 Nesse entendimento, uma das linhas de maior potencial nesse momento está vinculada a uma atividade tradicional da economia do país, a indústria sucroalcooleira. Apesar de sofrer indefinições e falta de políticas confiáveis, nas últimas décadas o setor demonstrou grande aumento de produtividade, desde a cultura da cana de açúcar até a diversificação de atividades correlatas, explorando novas oportunidades no exterior. Novos e importantes avanços na eficiência com que utiliza seus fatores de produção poderão ser alcançados. 

Em meados da década passada (anos 2000) o etanol foi a grande estrela do quadro energético brasileiro. Carros “flex” constituíram novo mercado para o etanol. Grandes investimentos foram realizados em novas usinas, algumas exclusivamente voltadas para a produção de etanol. Também nesse período, com apoio do BNDES, indústrias sucroalcooleiras equiparam-se para produzir excedentes de energia elétrica destinados ao mercado.

Passados cerca de dez anos, a situação desse setor, que produz a segunda maior fonte de energia primária do país, mudou significativamente. Desde o final da década, a expectativa de produção de petróleo e gás a partir do Pré-sal colocaram o etanol em segundo plano. O deslumbramento com as potencialidades de ganhos decorrentes do aumento da produção de petróleo e gás ofuscou a política energética, sobretudo no tocante aos anos mais próximos.

Por outro lado, a dificuldade de manter a inflação nos níveis convencionados  levou o governo a retomar velhas e inúteis práticas de contenção de preços, prejudicando tanto o setor petrolífero quanto o elétrico e,  pelo aviltamento dos preços da gasolina, o mercado de etanol.

Gasolina a preços subsidiados, comparação de preços do etanol com os da gasolina com base equivocada e desfavorável (para ser competitivo, o preço do etanol pode alcançar perto de 80% e não até 70% daquele da gasolina), baixos preços do açúcar no mercado internacional, alguns novos empreendimentos mal sucedidos, diversas usinas em situação falimentar, levaram a um cenário que contrasta desfavoravelmente com o anterior e que levou à estagnação da produção de cana.

Apesar das incertezas quanto à competitividade dos preços do etanol com aqueles praticados para a gasolina e a daqueles do açúcar, no mercado externo, as atividades de pesquisa do setor canavieiro foram continuadas, indicando amplas possibilidades de ganhos de produtividade. Possivelmente, a principal história de sucesso recente tenha sido a da geração de excedentes de energia elétrica, que alcança cerca de 3 mil MW e que  ainda pode ser substancialmente expandida, pois envolve apenas cerca de um terço da cana processada.

A queda dos preços do petróleo para de cerca de US$ 40 por barril no mercado internacional certamente constitui uma ameaça à competitividade do etanol frente à gasolina. Entretanto, duas considerações poderão contradizer essa perspectiva: o possível aumento da demanda de petróleo, induzido pelos preços baixos, e a taxação de emissões de carbono, indispensável para conter ao aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que poderá ser instituída nos próximos anos.

No momento, apesar da queda dos preços do petróleo, abrem-se novas perspectivas para o setor sucroalcooleiro e para o etanol, em particular. A modernização dessa agroindústria, com o desenvolvimento de novas espécies de cana, inclusive voltadas para maior produção de energia, as novas sistemáticas de plantio e correção de solo, a mecanização do plantio e da colheita, a correção dos preços da gasolina (quando o preço do petróleo aumentar), a melhoria do desempenho dos carros “flex” ao utilizarem etanol (que precisa ser divulgada), e vários outros diferenciais favoráveis precisam ser melhor trabalhados e divulgados.

Ademais, a crescente produção e utilização do etanol em termos mundiais, também a partir de outras espécies vegetais e, provavelmente, do etanol celulósico, tende a torna-lo uma commodity, valorizada pela sua origem renovável. Esses fatores também contribuirão para que o uso do etanol venha a se dar em escala crescente e, sobretudo, em volumes mais previsíveis, o que propiciará a segurança de retorno dos investimentos destinados à sua oferta.

No Brasil, a expansão da produção de cana não enfrenta as mesmas limitações de outros países A cana não interfere com a produção de alimentos, dada a ampla disponibilidade de terras e a crescente produtividade que vem sendo obtida. Na maioria das usinas, a produção de açúcar ocorre concomitantemente com a de etanol, mas técnica e economicamente, não existe a flexibilidade para que, em função do mercado,  essas usinas produzam somente um dos produtos.

Do ponto de vista ambiental, o etanol apresenta vantagens, por ter origem renovável, de modo que as emissões de carbono decorrentes de sua queima são absorvidas na formação da safra seguinte. Todavia, o consumo de óleo diesel na fase agrícola da sua produção, particularmente no transporte da cana, do campo para as usinas, faz com que para cada dez unidades de energia contidas no etanol, tenha havido o consumo de uma de diesel. Assim, o setor consome cerca de 6% do diesel utilizado no país. Essa “pegada de carbono” pode e deveria ser reduzida, mediante o emprego do próprio etanol naquelas atividades. Embora viesse a reduzir sua oferta, eliminaria um dos fatores que dificultam sua aceitação em mercados externos, sobretudo europeus, além de reduzir as emissões da queima de combustível fóssil.

No uso automotivo, o etanol poderá ter uma participação maior do que a atual, não só no mercado constituído pelos veículos leves, como poderá substituir óleo diesel, sobretudo aquele consumido nos transportes urbanos, onde as emissões da queima desse combustível afetam a população, além de contribuírem para o efeito estufa. Essa substituição pode ser proporcionada pelo emprego do acionamento híbrido, no qual os motores que acionam os geradores de bordo sejam de ciclo Otto ou similar, onde a combustão seja provocada por centelha.

Finalmente observa-se que o setor sucroalcooleiro assume cada vez mais um viés tecnológico e atual, conduzindo pesquisas destinadas tanto a sua fase agrícola quanto a industrial, com derivações relevantes, como a geração de excedentes de energia elétrica, o aproveitamento das leveduras e o incipiente aproveitamento de parte da biomassa para obtenção de etanol celulósico, que também poderá utilizar outras espécies vegetais. Além do desenvolvimento e uso crescente da tecnologia, o setor exige planejamento de longo prazo, tanto em vista do seu volume de investimentos tanto em equipamentos quanto na atividade agrícola,  onde o ciclo de atividades típico é de cinco anos.

Para completar  os aumentos de eficiência ao longo da cadeia de produção e consumo do etanol, espera-se que a indústria automotiva, estimulada por critérios fiscais adequados, inclusive uma atualização do INOVAR AUTO, continue a contribuir, com veículos que utilizem o etanol com maior eficiência. Nos EUA, nos últimos sete anos o consumo de gasolina por km percorrido sofreu uma redução média de 25%. É um exemplo que pode ser reproduzido.