A Volta do Carro a Etanol

Quando o preço do petróleo e derivados voltou a aumentar no final do século, cresceu a procura pelos carros a etanol que até meados de 80 eram os mais vendidos no Brasil.

No lugar de aperfeiçoar os carros a etanol, então 15% mais eficientes que os equivalentes a gasolina, as montadoras optaram por oferecer carros flex que podem ser abastecidos com gasolina ou com etanol.

O motor foi criado nos EUA porque a “Lei do Ar Limpo”, em 1992, criou um incentivo fiscal para os carros flex. Além disso, criou, para cada montadora, um teto de emissão de CO2 dos carros novos, excluindo os modelos flex dessa contagem. O intuito da lei era estimular a venda de etanol de milho nos postos de combustível. Por esta razão, os flex foram projetados para usar eficientemente a gasolina e usar o etanol com o desempenho possível. Críticos comparam o flex ao pato que voa, anda e nada, mas faz tudo mal.

Para orientar os motoristas ficou estabelecido que só vale a pena usar etanol se o preço for até 70% do preço da gasolina, pois o poder calorífico do etanol é inferior ao da gasolina nessa proporção.

Esse raciocínio pseudocientífico seria válido se os carros usassem máquinas a vapor. Graças a propriedades menos intuitivas dos combustíveis (calor de vaporização, homogeneidade, razão estequiométrica, octanagem, velocidade da chama, etc.), o etanol é bem mais adequado que a gasolina em motores de combustão interna. Além disso, o motor a etanol é mais compacto, leve e barato, além de ter um torque mais elevado, equivalente a motores de ciclo diesel.

Como o preço do etanol no começo do século estava muito baixo, o flex foi um grande sucesso de marketing no Brasil. A ideia de que o etanol seria um combustível de segunda linha (mais uma jabuticaba brasileira) se tornou uma verdade paradigmática hoje incorporada em leis, normas, e na etiquetagem da eficiência. Isto praticamente anulou estudos e pesquisas sobre o motor otimizado para o etanol. Como o flex fez renascer a procura pelo etanol, o próprio setor canavieiro ainda o enxerga como a salvação da lavoura. Como consequência, cinco milhões de motoristas que se abastecem hoje apenas com etanol, usam o combustível com baixa eficiência.

Trata-se de um exemplo de imperfeição de mercado que é, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade de ganhos para todos agentes envolvidos na cadeia energética da cana-de-açúcar.

Ao que tudo indica foi o que percebeu a FCA (Fiat), que acaba de anunciar que em 2020 vai lançar carros puramente a etanol usando um motor 1.4 que patenteou recentemente. O anúncio do motor é lacônico, mas um artigo do seu inventor, prof. Baêta (UFMG), dá conta que o consumo de etanol (km/l) de um carro equipado com esse motor será o mesmo que o de um carro equivalente a gasolina e que poderá substituir um motor diesel.

A importância da novidade transcende em muito o fato de que uma montadora decidiu voltar a fabricar carros a etanol. 

Como aconteceu no Proálcool, quando o novo carro a etanol da FCA for lançado, as demais montadoras vão aderir à novidade, pois o número de motoristas que só se abastecem com etanol é grande e os ganhos para os motorista são elevados. O desenvolvimento dos motores a etanol será rápido, pois usam os mesmos componentes dos flex. Vale notar que para as projetistas de motores instaladas no Brasil, como a Bosch, Mahle e AVL, para citar algumas, as virtudes do etanol como combustível são um segredo de Polichinelo.

Em termos ambientais vão substituir a gasolina e serão os carros mais “verdes” do mundo, pois o etanol da cana é renovável e a poluição urbana de seus efluentes é mínima; vale lembrar que a baixa emissão dos carros a etanol “limpou” o ar da cidade de São Paulo na década de 80. Numa visão “fonte a roda” além de mais barato, vão emitir menos que veículos elétricos, uma vez que a geração elétrica no Brasil vai depender, cada vez mais, do gás natural.

Motores otimizados para o etanol vão permitir, ainda, seu uso no transporte pesado em veículos híbridos, notadamente em ônibus e caminhões de uso urbano. Devem, inclusive, permitir que o setor de cana, hoje um grande consumidor de diesel, substitua o combustível fóssil por etanol na lavoura da cana.

É de se prever, finalmente, que a volta do uso de carros a etanol no Brasil pode levar outros países a adotá-los, a começar pelos EUA, hoje o maior produtor de etanol do mundo que tem nichos de mercado nada desprezíveis nos estados produtores de milho. Alguns países, da Europa, que preveem o fim dos motores de combustão interna, vão descobrir as virtudes ambientais dos motores a etanol. Vale registrar que na França, que produz etanol de beterraba, ele é vendido em centenas de postos espalhados no país.