Considerações sobre Veículo Elétrico com Célula a Combustível e Etanol
Gostaria de fazer algumas considerações a respeito da noticia da intenção da Nissan desenvolver veículos elétricos a célula a combustível, com uso de etanol. Em um primeiro momento vou procurar me fixar nos aspectos tecnológicos.
1. Primeiramente cabe esclarecer que todo veículo elétrico com célula a combustível deveria estar enquadrado como um veículo elétrico híbrido.
2. A concepção destes veículos pode variar, mas destacaria as duas que me parecem mais prováveis:
a) A propulsão do veículo é elétrica com a energia proveniente do banco de baterias ou pela célula a combustível. Estas por sua vez são carregadas pela célula a combustível que por sua vez é alimentada por hidrogênio armazenado em tanques no interior do veículo. Portanto, em vez de necessitar de um carregamento periódico externo das baterias as mesmas são carregadas pela célula a combustível. Entretanto, há que se carregar periodicamente os tanques de hidrogênio. O abastecimento de hidrogênio é rápido (equivalente ao abastecimento atual), há uma aumento da autonomia do veículo e o banco de baterias pode ser reduzido quando comparado com o veículo elétrico a bateria. Como pode ser depreendido a produção de hidrogênio é externa ao veículo e deverão existir postos de carregamento distribuídos em pontos estratégicos, similarmente ao que se propõe para o carregamento das baterias dos veículos elétricos puros. Esta concepção é a predominante nos veículos elétricos a célula a combustível.
b) A propulsão do veículo é elétrica exclusivamente proporcionada pelo banco de baterias e uma célula a combustível de baixa potência se encarrega de mantê-las carregadas. Neste caso propõe-se que a célula a combustível esteja associada a um reformador de combustível que produzirá internamente ao veículo o hidrogênio que será consumido na reação eletroquímica. Neste caso, o veículo disporia de um pequeno tanque de combustível (por exemplo etanol) que poderia ser reabastecido da forma que atualmente fazemos. Esta concepção provavelmente é a que está sendo desenvolvida pela Nissan e replica um projeto semelhante no qual a célula a combustível de baixa potência é substituída por um motor de combustão interna de baixa potência (com qualquer combustível), que não participa do sistema de tração do veículo e se presta exclusivamente ao carregamento do banco de baterias. Este veículo já existe como protótipo e poderá estar no mercado brasileiro se demonstrar custo/benefício.(...)
3. A Nissan certamente está aventando a alternativa b) descrita acima e para viabiliza-la com uso de etanol teria que utilizar uma célula a combustível de óxido sólido (SOFC) com possibilidade de reforma interna do etanol. O uso da SOFC se justificaria pela maior tolerância aos contaminantes e simplificaria o processo de reforma. Entretanto as SOFC são complexas pela presença de materiais cerâmicos, temperatura de operação elevada (aprox.800 oC) e pela baixa tolerância a ciclos de potência e térmicos. Via de regra as SOFC ainda são caras em decorrência dos processos de fabricação, mas os avanços tecnológicos seja em materiais, em técnicas de fabricação e na redução da temperatura de operação (aprox 500 oC) estão permitindo reduções de custo e maior flexibilidade operacional.
4. Outro ponto a destacar refere-se ao custo global do sistema. As células a combustível estacionárias, qualquer que seja a tecnologia (PEM, SOFC, MCFC,etc.), são projetadas para uma vida de no mínimo 80 mil horas. Para uso veicular estas células poderiam ter um vida muito menor e compatível com a vida média operacional de grande parte dos veículos (aprox.5000h). Isto poderia torna-las muito mais acessíveis em termos de custo, mas é necessário experimentação em campo.
5. De todo modo há que se avaliar a eficiência e a viabilidade econômica de um sistema como descrito no item 3 acima, principalmente no que se refere a aplicação em veículos leves. O conceito de um veículo elétrico a célula a combustível se aplica melhor, em meu entendimento, a veículos pesados (caminhões e ônibus) para os quais os bancos de baterias seriam de potência elevada (peso idem) e que requerem tempos de recarregamento elevados. Nestes veículos o transporte do próprio combustível passa a ser relevante.
Cabem a seguir algumas considerações a respeito do nosso mercado de veículos leves, da nossa capacidade de produção e da possível independência de combustíveis fósseis para a frota de veículos leves. Cabe destacar, também, que não existem montadoras "brasileiras" e que mundialmente há uma forte tendência de incentivar a mobilidade elétrica. Por motivos diversos o veículo híbrido está perdendo espaço para os veículos elétricos a bateria. Apenas para mencionar um dos motivos estaria o controle de emissões, mas este tema possibilitaria diversas abordagens sejam elas relacionas a matriz energética de cada país, a disponibilidade de matérias-primas, a opinião pública, etc..
1. A produção mensal de veículos veículos leves no Brasil neste ano situa-se em cerca de 250 mil unidades das quais cerca de 15% destina-se a exportação. O nosso mercado é adequado, mas as exportações são modestas;
2. Dominamos a tecnologia de produção de etanol em larga escala, de fabricação de motores flex, e se necessário para otimização de motores a etanol;
3. Dispomos de uma rede de postos de abastecimento cobrindo todo o território nacional;
4. Dispomos de um sistema de geração de energia elétrica com cerca de 83% proveniente de fontes renováveis (hidro, eólica, solar, biomassa).
Fixando-nos apenas nestes quatro pontos parece-me que a solução brasileira para a mobilidade elétrica (veículos leves) deveria ser na direção de veículos híbridos (bateria e etanol). Talvez perdêssemos apenas o nosso mercado de exportação. Entretanto, a grande questão seria a posição das matrizes das montadoras brasileiras. Deixei de lado os veículos pesados para os quais acredito que a solução híbrida a célula a combustível poderia prosperar.
O assunto é longo e confesso que quando o mesmo passa para a esfera político-comercial não me sinto à vontade de avançar mais do que a superficialidade do último parágrafo.